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E se o sistema Tributário considerasse boas práticas de ESG?

As práticas de ESG vêm se tornando uma realidade maior a cada dia. Alguns defendem que elas só são possíveis para empresas de grande porte que possuem governança já estabelecida. Com isso, conseguem mover-se em direção de seus propósitos e incluir projetos que se transformam em práticas efetivas de programas de sustentabilidade, social ou ambiental.

Não deixam de ter razão estes que pensam assim, pois todos estes projetos custam, e não custam pouco. As grandes corporações não têm muita saída, pois precisam manter as boas práticas in place e hoje já não conseguem, por exemplo, alavancar determinados investimentos ou até mesmo projetos se não demonstrarem seu compromisso efetivo com práticas de ESG.

Em 19 de agosto de 2019, mais de cento e oitenta CEOs das maiores empresas norte-americanas participaram da Business Roundtable. Neste evento, foi modificada a declaração sobre o propósito da empresa, que vigorava há 22 anos e que estabelecia que o principal propósito de uma companhia era o de gerar o maior lucro possível para seus acionistas. 

A Business Roundtable promoveu uma nova declaração de propósito para uma companhia declarando que elas devem servir não apenas aos seus acionistas, mas também entregar valor aos seus clientes, investir em seus funcionários, negociar de maneira justa com seus fornecedores e apoiar as comunidades nas quais se inserem. No que diz respeito ao mercado financeiro, em meados de 2020, de acordo com o Pensions and Investment Report, US$ 40,5 trilhões de dólares estavam investidos em fundos com orientação ESG. Estima-se que o crescimento destes seja três vezes mais rápido do que o daqueles não orientados a ESG.

Pois bem, se o mercado financeiro está sendo capaz de agir e orientar novas regras, muito preocupado, na verdade, com o futuro das empresas investidas e o necessário retorno, primordialmente quando se trata de administrar carteiras futuras de aposentadoria por exemplo, por que o ente público não deveria também incluir tal orientação em suas discussões?

As questões ambientais estão mais visíveis do que nunca. Não são mais apenas países pobres que lidam com elas. Os desastres climáticos atingem a todos e a força da natureza se sobrepõe a nós – isto é fato. Em relação aos projetos de inclusão e diferenças sociais e educacionais, a pandemia de Covid-19 deixou clara a existência de um abismo social. Não estávamos todos no mesmo barco em relação à pandemia. Seja por políticas de saúde, com acesso a todos ou não, seja em face da possibilidade de alguns de entrarem em um avião particular e irem tomar a vacina em países que oferecem essa possibilidade em oposição àqueles países que não conseguem vacinar a mínima parcela de sua população.

Não custa lembrar que a cada vez que se vê um post de uma pessoa vacinada agradecendo ao SUS, muito válido sem dúvida, leia-se também que o agradecimento vale para as empresas que resistiram à pandemia e recolheram seus impostos. Agradecimento também ao consumidor que seguiu sua vida e também recolheu os seus impostos, de modo que se temos vacina, é porque você pagou por ela.

Se o mundo todo precisa cuidar do vizinho, do próximo, do meio ambiente – isto tem sido um fato, porém ainda estamos por ver até onde iniciativas concretas e duradouras serão implementadas. Há, sem dúvida, iniciativas individuais de grandes corporações, que estabeleceram metas ambientais ou de inclusão social e que vem lutando em favor desta implementação. Exemplos são muitos, Pepsico, Natura e a própria BlackRock tem projetos relevantíssimos e que servem de inspiração às demais empresas.

Pois bem. E onde anda o poder público em relação a tudo isso? Em qual momento as instituições privadas que vêm realizando o custeio do chamado bem comum, que deveria ser custeado pela arrecadação tributária, perceberão que de alguma maneira deveriam abater tal investimento direto? A longo prazo as grandes corporações poderão determinar o que deveria estar aos cuidados de políticas públicas? 

Mais ou menos como ocorre com a questão do sistema de saúde americano, que de maneira simples poderia ser descrito como um sistema que era custeado pelas instituições privadas (empregadoras) que contratavam seguradoras de saúde em prol de seus funcionários e suas famílias. Quando da tentativa de criação de um sistema único, público que viesse a atender a todos os indivíduos, evidentemente que as empresas seguradoras não gostaram nada desta mudança, que faria com que perdessem seu mercado como um todo.

O que nos garante que o futuro das práticas de inclusão e de proteção ambiental, claras expressões de bens públicos e do bem comum, se deixadas a cargo tão somente da iniciativa privada (louvável sem dúvida) não virão ao final se perpetuar como formas de atender o próprio mercado daqueles que as promovem?

O sistema tributário tem uma responsabilidade imensa sobre este tema. Está na hora de se incluir em discussões acerca de reformas tributárias algo mais, que vá além tão somente do aumento da carga tributária das empresas e dos indivíduos; é preciso que se altere o racional da tributação. Entes tributante e tributado podem e devem caminhar juntos. Benefícios fiscais são urgentes. 

Hoje os benefícios existentes no Brasil relacionados à área são muito tímidos. Como uma empresa, montadora de veículos, por exemplo, que mundialmente se compromete a não mais fabricar carros movidos a combustíveis fósseis, pode permanecer no Brasil, sem que existam nada além de boas intenções e discussões acerca de benefícios fiscais para a produção do carro elétrico, por exemplo? Não há como viabilizar a produção de tais veículos considerando-se que o Brasil insiste em manter-se na contramão do incentivo a tal produto. 

Na área da saúde, da educação, da segurança, da proteção ao meio ambiente real ou virtual, há muito a fazer. Uma maneira de se alcançar estes objetivos é justamente através da alteração do pensar da relação tributária. Enquanto se tratar o sistema tributário de modo a que não se estabeleça a real parceria – já existente – entre público e privado de maneira nítida e visível, lidaremos apenas com aumentos e reduções de carga tributária, sem que a população, o contribuinte em geral, tenha a certeza do que custeia e de que paga caro por aquilo que recebe. 

Empresas precisam ser estimuladas a promover programas voltados à sustentabilidade, o que,  a longo prazo, resultará em consequências não somente relacionadas ao propósito da empresa, mas também relacionadas à sua própria longevidade e compromisso com o futuro; tal estímulo pode ocorrer através de uma tributação que considere as boas práticas de ESG.


*Por Alessandra Dabul

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