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A obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 nas empresas

A vacina contra a Covid-19 já é uma realidade no Brasil. Pouco a pouco, os municípios estão se organizando para imunizar a população e diminuir os efeitos mais críticos da pandemia, sejam eles na área da saúde ou na economia. Existem, no entanto, pessoas que se recusam a tomar a vacina por convicções religiosas, filosóficas ou políticas, e pessoas que, por condições particulares de saúde, não podem fazer uso do imunizante.

Em casos como este, como fica o empresário que deseja retornar, com segurança, às atividades presenciais? É possível exigir a vacinação de seus colaboradores? Como proceder em relação a uma questão onde há o conflito entre interesses individuais e coletivos? Para saber mais, conversamos com o Dr. Célio Neto, sócio da Célio Neto Advogados, especialista na área do direito trabalhista e parceiro da Pereira, Dabul.

Pereira, Dabul – A exigência de vacinação de trabalhadores contra a Covid-19 por parte das empresas é um assunto com muitas nuances a serem consideradas. Existe alguma decisão objetiva a respeito? Ou o assunto ainda é tema de debates?

Célio Neto – Existe uma decisão objetiva do STF, do final do ano passado, onde foram dados os contornos de como essa temática deve ser enfrentada. Essa decisão é fruto da apreciação de duas ações diretas de inconstitucionalidade, a de número 6586 e a de número 6587, em julgamento de 17 de dezembro de 2020, e também de um recurso especial com agravo regimental. 

O que que se discutia ali? O direito à recusa a imunização por convicções filosóficas. Então veja, vamos trazer essa decisão para o campo das relações do trabalho. De um lado, o direito do empregado, à intimidade, à privacidade, às convicções filosóficas, religiosas, nesse momento polarizado até mesmo políticas, o direito à inviolabilidade do corpo, do próprio corpo. De outro lado o empregador, mais uma vez aqui no campo das relações de trabalho, tem que prover o meio ambiente do trabalho saudável, equilibrado. O conceito de meio ambiente do trabalho está dentro do próprio conceito de meio ambiente por força da combinação dos artigos 200 e 225, da Constituição Federal. 

Então como é que eu faço para chegar a um bom termo quando de um lado há a opção pela vacinação, e do outro, empregador podendo exigir a vacinação? E aí nesse sentido, que vai o julgamento do STF.

A ministra Carmen Lúcia disse o seguinte: 

Diante de uma grave e real ameaça à vida do povo não há outro caminho a ser trilhado, à luz da Constituição, se não aquele que é seguro o emprego dos meios necessários, adequados e proporcionais para a preservação da vida humana.

Na verdade, o que que ela está nos passando? Adotem o princípio da proporcionalidade, e seus subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade no sentido estrito. Ou seja, quando eu adoto o princípio da proporcionalidade neste caso, eu não faço nenhuma avaliação valorativa. 

A pergunta é muito objetiva, se eu exigir que o empregado esteja vacinado para ingressar na empresa eu passo pelo princípio da adequação, no sentido que essa medida tem a condição de impedir a proliferação da doença no meio ambiente do trabalho, entendendo que a vacina é eficaz, até porque as diversas vacinas têm aprovação pela ANVISA, eu vou responder que sim, então eu passo pelo princípio da adequação. 

Aí veio o subprincípio da necessidade: tem outro meio de eu alcançar o mesmo fim com a mesma eficácia de uma forma menos restritiva ao direito à privacidade, intimidade, inviolabilidade do corpo? Vou dizer que, olha, para evitar o contágio no meio ambiente do trabalho, o único meio que se poderia comparar seria o teletrabalho, quando o teletrabalho não puder ser executado não há outro meio. Então eu também passo pelo subprincípio da necessidade.

O mais complexo, que é o da proporcionalidade no sentido estrito, eu vou sopesar os custos desse conflito. Isso quer dizer perguntar: o que é melhor para a coletividade? Eu tenho que respeitar o conteúdo essencial do direito fundamental, que é preservar os valores essenciais diretamente ligados à dignidade da pessoa humana. Aí, portanto, teremos que sopesar esses valores.

Para isso, partimos da seguinte situação: o ministro Luís Roberto Barroso, nesse julgamento, disse o seguinte: 

Embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais, existenciais, o direito da sociedade deve prevalecer sobre os direitos individuais. Não se revelando legítimas escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros.

Será que ele está começando a nos indicar um caminho? Não sei, vamos continuar vendo aqui. Disse o ministro Edson Fachin:

A imunidade coletiva é um bem coletivo, é um bem público coletivo.

O ministro Marco Aurélio disse:

[A imunização] se trata de ato solidário, considerado como cidadãos em geral.

Aí o ministro Luiz Fux diz:

A hesitação, quanto à vacinação, é considerada uma das dez maiores ameaças à saúde global, segundo a Organização Mundial da Saúde.

O Ministro Luís Roberto Barroso apontou a importância da vacinação em massa como meio de erradicar uma série de doenças, sustentando, portanto, a constitucionalidade da vacinação obrigatória. Desde, é claro, que o imunizante esteja registrado por um órgão da vigilância sanitária, incluído no Plano Nacional de Imunização, e a obrigatoriedade incluída em lei, ou sua aplicação determinada pela autoridade competente. 

Parece que a questão está resolvida. Porém, eu  não posso pegar só um pedaço da Constituição. O direito à privacidade e à intimidade está lá na Constituição também. É preciso sopesar os diferentes valores, e eu tenho que sempre preservar o conteúdo essencial de um direito. Então levantou-se o seguinte debate:

Há situações em que o interesse individual pode se sobrepor ao coletivo, diante da lesão sofrida, quando ferido de morte o núcleo essencial do direito preterido, no sopesamento dos direitos constitucionais. (Min. Luís Roberto Barroso)

É flagrantemente inconstitucional a vacinação forçada das pessoas, embora tenha reconhecido que a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas. (Min. Ricardo Lewandowski)

Ministrar a vacina de modo compulsório parece não ser proporcional, se avaliada a restrição do direito em sede do exame do subprincípio da proporcionalidade do sentido estrito. Todavia, severas restrições não devem deixar de ser opostas pelo empregador, quando justificadas. (Min. Nunes Marques)

E aí está a tese fixada: a vacina compulsória não significa vacinação forçada. O usuário pode se recusar a tomar a vacina, no entanto, podem ser implementadas medidas indiretas que impliquem na sua restrição ao exercício de certas atividades, ou na frequência de determinados lugares. Para isso, é preciso que haja uma previsão expressa ou derivada da lei com base científica e análises estratégicas, que demonstrem a eficácia, a segurança e a contraindicação dos imunizantes. Também é preciso que as vacinas sejam distribuídas de modo universal e gratuitamente. Então não se pode exigir a vacinação enquanto ela ainda não estiver disponível.

PD – Até onde vai o poder diretivo do empregador na exigência da vacinação para ingresso na empresa?

CN – A obrigatoriedade da vacinação não significa a compulsoriedade da aplicação da vacina. Todo mundo tem o direito a se preservar e não aplicar em si o imunizante.

Então até onde vai esse poder diretivo? É possível adotar medidas restritivas e o empregador sempre pode conscientizar os seus colaboradores, os seus empregados, no sentido de quais medidas devem ser adotadas. Ele deve procurar a  conscientização, ele deve implementar políticas claras. Ações como: 

  • Reforçar as políticas de enfrentamento da COVID-19, desde o álcool em gel, a máscara, até a disponibilidade de higienização de todos os produtos e o tapete na entrada. 
  • Falar sobre a importância da imunização coletiva, prevendo no PPRA e no PCMSO a vacinação para ingresso na empresa, para realização da atividade.
  • Informar em seu regulamento interno e comunicar aos colaboradores que não será permitida a entrada sem a vacinação, quando evidentemente esta estiver disponível para o grupo daquela faixa etária ou com morbidade, enfim. E ele pode prever, inclusive, que a recusa injustificada pode ocasionar a rescisão do contrato de trabalho. 

Neste último ponto será preciso, novamente, sopesar os direitos. Qual é o nível dessa justificativa (política, filosófica, religiosa etc.)? Digamos que seja uma comprovada crença na qual a pessoa escolhe a morte ao invés do imunizante. Eu tenho outra alternativa menos severa em relação à rescisão? Há a condição de colocar essa pessoa em teletrabalho full time, ou seja, não em regime híbrido? Ou não? Se não houver, preciso continuar a buscar alternativas. 

Se eu não puder continuar com o contrato de trabalho naquele momento, posso realizar uma negociação coletiva para a suspensão deste contrato, caso não exista uma medida provisória que me permita outra ação, como não temos neste  momento. 

Outra opção é negociar com o sindicato, por exemplo, até mesmo a suspensão do contrato, sem vencimentos do trabalhador. Quando a negociação não for coletiva, o sindicato pode ao menos assistir aquele trabalhador para oferecer maior segurança jurídica ao empregador. 

Rescindir o contrato sem justa causa é um risco caso exista uma justificativa razoável para o funcionário não tomar o imunizante. Isto porque essa despedida pode ser entendida como arbitrária, e a despedida arbitrária pode até mesmo ensejar a reintegração daquele trabalhador. 

Se não houver uma justificativa razoável para a recusa, você até pode rescindir o contrato por justa causa, mas é preciso avaliar o caso concreto. Diante de direitos constitucionais, valores constitucionais, a gente tem que, como nos ensinou o julgamento do STF, tomar o princípio da proporcionalidade e analisar o caso concreto. O caso concreto vai nos demonstrar como deve ser. É muito perigoso dizer “faça assim em todos os casos”, porque vão ter as exceções justificadas em que não se pode adotar essa regra geral. 

PD – É possível tornar a exigência da vacinação para todos os colaboradores uma regra interna da empresa? Ou isso é algo que fere algum direito do trabalhador?

CN – A compulsoriedade da vacinação quer dizer que o funcionário não pode ingressar no estabelecimento empresarial enquanto não for vacinado, se não houver outra alternativa. Eu não vou entrar no mérito de uma discussão que pode existir no futuro, mas que no momento ainda nos é complexa. Vivemos em uma sociedade cheia de nuances, cheia de situações distintas. Na academia, por exemplo, o que se discute é, se a empresa coloca a obrigatoriedade em seus programas, pode ela ser responsabilizada pelos efeitos colaterais que a vacina possa eventualmente produzir? Quer dizer, só aí já há uma larga esfera de discussão. É importante saber que o Direito está vivo neste momento. Nós estamos construindo o Direito à luz de uma nova situação que até então jamais tínhamos vivido.

PD – Caso trabalhadores, em especial aqueles que executam serviços considerados essenciais, não se sintam seguros em trabalhar presencialmente até a pandemia estar sob controle e optem por não comparecer ao trabalho presencial, considera-se a falta injustificada?

Vamos ver o que é atividade essencial aqui. A lista de atividades essenciais é bastante ampla neste momento, dentre as quais também estão os profissionais de saúde. Isso é justificado porque nenhum trabalhador, seja em tempos de Covid, seja fora de Covid, pode ser colocado em situação de risco. Ele sempre pode exercer o seu direito à recusa daquela situação. Agora, se a empresa adotou as medidas preventivas cabíveis naquele momento, à princípio, essa justificativa não seria razoável. Aqui nós temos que ir para o caso concreto para poder avaliar. 

Fica mais fácil analisar, por exemplo, uma empresa que permite que os trabalhadores trabalhem lado a lado, permite que não se cobre o uso de máscaras, não disponibiliza máscaras, ou álcool em gel, e o funcionário não se sinta seguro em um local como este. Aí, sim, ele pode recusar.

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