SALA DE LEITURA

A flexibilização de contratos durante a pandemia do Covid-19

*por Luiza Guimarães

A flexibilização de contratos durante a pandemia do Covid-19 é uma questão discutida desde o decreto de calamidade pública do dia 20 de março de 2020. O assunto é delicado e requer reflexão. A legislação brasileira já oferece, em casos excepcionais, a possibilidade de flexibilizar contratos. Os impactos da pandemia nas relações contratuais, porém, não podem ser ignorados.

Para falar mais sobre o tema, entrevistamos a advogada da Pereira, Dabul, Carolina Kantek.

As leis emergenciais para a pandemia do Covid-19 permitem algum tipo de flexibilização com relação aos Contratos? Se sim, qual? 

Carolina Kantek: no âmbito das relações privadas, o Presidente da República sancionou a Lei 14.010/2020, instituindo o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), mas que, após decorrido bastante tempo desde a apresentação do Projeto de Lei no Senado Federal, e o veto de vários de seus artigos, acabou tendo pouca interferência nas relações contratuais entre entes privados. O texto originário apresentava maior reflexo nas relações contratuais, mas acabou não passando pela sanção presidencial.

No entanto, a legislação brasileira já há tempos oferece remédios para que, em casos excepcionais, os contratos possam ser flexibilizados, sendo revisados ou resolvidos. É claro que a pandemia de Covid-19  trouxe grandes impactos nas relações contratuais, sobretudo naquelas de prestação continuada – contratos que se cumprem ao longo do tempo – e nestes casos, em situações pontuais, a parte pode pedir a revisão do contrato ou, ainda, ser excluída de responsabilidade pelos prejuízos causados pelo seu inadimplemento. 

Como essas regras podem afetar os empresários?

Carolina Kantek: é preciso ter em mente que a pandemia, por si só, não é causa para flexibilização de contratos. Não é porque estamos vivendo uma declaração pública de pandemia que – só por este motivo (sem minimizar a gravidade da situação) – haverá justificativa para o inadimplemento ou para a revisão das condições contratadas. Para que isto ocorra, é preciso que, em razão da pandemia, a parte tenha sofrido alguma consequência que a coloque em condições diferentes daquelas em que o contrato foi firmado.

Estas consequências podem ser, por exemplo: elevação de custos ou escassez de matéria-prima, redução de mão de obra, baixa lucratividade e até medidas de prevenção e controle da doença emitidas pelo Governo Federal. Nestes casos, com a soma de pandemia e suas consequências, a parte poderá valer-se da exclusão de responsabilidade pelo inadimplemento, prevista no artigo 393 do Código Civil Brasil, que trata do caso fortuito e força maior, ou ainda, da possibilidade de revisão ou resolução dos contratos nos casos em que o cumprimento da obrigação contratada tornar-se excessivamente onerosa para uma das partes e extremamente vantajosa para a outra, conforme previsão do artigo 478 e seguintes do Código Civil Brasileiro.

Desta forma, o benefício é que o empresário acaba conseguindo mitigar os seus prejuízos, e, na imensa maioria dos casos, consegue manter os contratos ativos e operantes, ainda que em condições de lucratividade menores. 

Pode haver algum tipo de abuso na conduta das empresas em relação aos contratos, em razão da pandemia?

Carolina Kantek: sem dúvida, já observamos alguns empresários que, pelo simples fato de estarmos vivendo uma pandemia (novamente sob a ótica contratual e sem minimizar a gravidade da situação), optam em não cumprir suas obrigações, ainda que não tenham sofrido nenhum prejuízo ou que todas as suas condições ainda permaneçam exatamente iguais àquelas originariamente contratadas. Eu entendo que neste caso não há nenhum motivo para valer-se de qualquer medida de flexibilização das regras contratuais. O pior é que muitas vezes estes empresários são a parte mais forte da relação contratual – mesmo que em contratos empresariais – e acabam exercendo uma forte pressão comercial sobre a outra parte, que acaba cedendo.  No entanto, acredito que o Poder Judiciário dará uma resposta efetiva, caso tais questões sejam submetidas a sua apreciação.  

O que o empresário deve fazer, ao perceber que não conseguirá cumprir com um contrato?

Carolina Kantek: o empresário deve, o quanto antes, procurar a outra parte contratante e comunicar a sua dificuldade, principalmente em respeito ao princípio da boa-fé contratual. Deve informar as condições que foram alteradas, e deve propor uma forma de reequilibrar a relação contratual. A outra parte, por sua vez, também deve ser flexível. As partes devem então negociar a melhor forma de solução do impasse, colaborando uma com a outra. Jamais deve-se deixar para comunicar a inadimplência tardiamente, pois as chances de uma negociação para continuidade do contrato, ou da solução do problema diminuirão drasticamente, por inúmeros motivos. 

Por fim, sempre é importante lembrar que toda contratação envolve um risco, e que, ao negociar a solução de uma controvérsia de forma extrajudicial, o poder de decisão é das partes, elas é que vão decidir como será a solução. Quando o problema é levado ao Judiciário, a decisão vem de um terceiro e é impositiva. Ou seja, a melhor solução é, sem dúvida, a negociação.

5) E que cuidados tomar nas contratações a partir de agora?

Neste contexto, temos orientado que a cláusula que trata de caso fortuito e força maior – situações que agora foram absolutamente ressignificadas – seja mais detalhada, trazendo não só a informação sobre a exclusão de responsabilidade, mas também um passo a passo do procedimento que deve ser seguido pelas partes contratantes nestes casos, com notificações, prazos de resposta, etc. É uma combinação prévia de que como as partes vão se comportar neste cenário, mas, sobretudo, é o compromisso de que as partes não medirão esforços para que o contrato mantenha-se ativo, comprometendo-se a renegociar condições e prorrogar prazos, entre outros ajustes, evitando assim incertezas, oportunismos e maiores prejuízos.
Por fim, é importante destacar que devemos lutar sempre pela segurança e grau de certeza que as relações contratuais implicam, entendendo que a flexibilização dos contratos é medida excepcional para ocasiões excepcionais. Mesmo em tempos em que o gesto simbólico da contratação – o aperto de mãos – ainda demore um pouco para voltar a ser feito. 
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*Comprometida com a democratização dos conceitos jurídicos a Pereira, Dabul Advogados Associados concede uma série de entrevistas para a jornalista Luiza Guimarães**. Em linguagem acessível, os artigos pretendem colocar em debate temas que preocupam o empresariado. 
**Luiza Guimarães é mestranda em Comunicação Social pelo PPGCOM da Universidade Federal do Paraná, especializada em Jornalismo Internacional Digital pela Université Lumière Lyon 2, na França. Formada em Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, também pela UFPR.

 

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